O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF)
concluiu na sessão desta quinta-feira (8) o julgamento da Ação Declaratória de
Constitucionalidade (ADC) 41 e reconheceu a validade da Lei
12.990/2014, que reserva 20% das vagas oferecidas em concursos públicos para
provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração
pública federal direta e indireta, no âmbito dos Três Poderes. A decisão foi
unânime.
O julgamento teve início em maio, quando o relator,
ministro Luís Roberto Barroso, votou pela constitucionalidade da norma. Ele
considerou, entre outros fundamentos, que a lei é motivada por um dever de
reparação histórica decorrente da escravidão e de um racismo estrutural
existente na sociedade brasileira. Acompanharam o relator, naquela sessão, os
ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber e Luiz Fux.
Na sequência do julgamento na sessão desta quinta
(8), o ministro Dias Toffoli lembrou, em seu voto, que quando exercia a função
de advogado-geral da União, já se manifestou pela compatibilidade de ações
afirmativas – como a norma em questão – com o princípio da igualdade. Para o
ministro, mais do que compatível com a Constituição, trata-se mesmo de uma
exigência do texto maior, em decorrência do princípio da isonomia prevista no caput do
artigo 5º.
Esse entendimento, inclusive, prosseguiu o
ministro, está em sintonia com a jurisprudência do STF, que já confirmou a
constitucionalidade da instituição da reserva de vaga para portador de
deficiência física, bem como a constitucionalidade do sistema de cotas para
acesso ao ensino superior público.
O ministro explicou, contudo, que seu voto
restringe os efeitos da decisão para os casos de provimento por concurso
público, em todos os órgãos dos Três Poderes da União, não se estendendo para
os Estados, Distrito Federal e municípios, uma vez que a lei se destina a
concursos públicos na administração direta e indireta da União, e deve ser
respeitada a autonomia dos entes federados.
O julgamento do Supremo na Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, quando foi confirmada a
constitucionalidade do sistema de cotas raciais para ingresso nas universidades
públicas, foi citada pelo ministro Ricardo Lewandowski em seu voto. Ele
recordou que em sua gestão à frente do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), foi editada a Resolução 203/2015, que reservava 20% de
vagas para os negros no âmbito do Poder Judiciário. A resolução levou em conta,
segundo ele, o primeiro censo do Judiciário realizado pelo Conselho, que
apontou que apenas 1,4% dos juízes brasileiros se declararam negros, e apenas
14% pardos, dados que divergiam dos números do censo demográfico brasileiro de
2010, do IBGE, segundo o qual o percentual da população brasileira que se
declarou negra foi de 7,6% e parda 43,1%.
O ministro Marco Aurélio revelou que, nos anos de
2001 e 2002, quando ocupou a presidência do STF, e diante de quadro que
persiste até os dias atuais, determinou que fosse inserida em edital para
contratação de prestadores de serviço a exigência de reserva de 30% das
vagas para prestação de serviços por negros. Para o ministro, uma sociedade
justa e solidária repousa no tratamento igualitário, mas é notória a falta de
oportunidade para os negros, frisou o ministro, concordando que as estatísticas
sobre a questão são vergonhosas.
O decano do Supremo, ministro Celso de Mello,
iniciou seu voto citando a história do advogado Luiz Gama (1830-1882), que
ficou conhecido como advogado dos escravos, para demonstrar “como tem sido
longa a trajetória de luta das pessoas negras em nosso país na busca não só de
sua emancipação jurídica, como ocorreu no século XIX, mas de sua emancipação
social e de sua justa, legítima e necessária inclusão”.
Ao defender as políticas de inclusão, o decano
salientou que de nada valerão os direitos e de nenhum significado serão
revestidas as liberdades se os fundamentos em que esses direitos e liberdades
se apoiam, além de desrespeitados pelo Poder Público ou eventualmente
transgredidos por particulares, também deixarem de contar com o suporte e o
apoio de mecanismos institucionais, como os proporcionados pelas políticas de
ações afirmativas.
Para o ministro, “sem se reconhecer a realidade de
que a Constituição impõe ao Estado o dever de atribuir a todos os que se situam
à margem do sistema de conquistas em nosso país a condição essencial de
titulares do direito de serem reconhecidos como pessoas investidas de dignidade
e merecedoras do respeito social, não se tornará possível construir a igualdade
nem realizar a edificação de uma sociedade justa, fraterna e solidária, frustrando
assim um dos objetivos fundamentais da República, a que alude o inciso I do
artigo 3º da Carta Política”.
Com base não só nos fundamentos já trazidos por
todos os ministros, mas também no princípio do direito à busca da felicidade, o
ministro se manifestou pela constitucionalidade de medidas compensatórias como
a inserida na lei em questão.
Ao também reconhecer a constitucionalidade da norma
em debate, a ministra Cármen Lúcia salientou que muitas vezes o preconceito –
contra negros ou contra mulheres, entre outros – é insidioso e existe de forma
acobertada, e outras vezes é traduzido em brincadeiras, que nada mais são do
que verdadeiras injúrias, que indignam. Para a presidente do Supremo, ações
afirmativas como a que consta da Lei 12.990/2014 demonstram que "andamos
bem ao tornar visível o que se passa na sociedade".
MB/CR
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