Uma ação judicial envolvendo a comunidade de Acauã, no município de Poço Branco, pode ter repercussão nacional, derrubando a legislação que garante ao povo quilombola a posse definitiva de terras ocupadas há várias gerações. O caso será julgado no próximo dia 21, em grau de recurso, pelo TRF (Tribunal Regional Federal) da 5a. Região, com sede em Recife (PE) e jurisdição sobre cinco estados, entre eles o Rio Grande do Norte.
O processo começou em 2008, quando o então presidente Lula decretou a desapropriação, por interesse social, de uma área da Fazenda Boa Esperança incluída no chamado “Território Quilombola Fazenda Amarelona e Acauã”, reconhecido e demarcado pelo INCRA. A indenização foi fixada em R$ 54.634,97, mas os proprietários Helione Justino de Freitas e Manoel de Freitas questionaram judicialmente o valor, pedindo R$ 184.909,60 pelas terras.
E foram além: questionaram também a constitucionalidade do Decreto 4.887, assinado pelo presidente Lula no ano de 2003 para regulamentar o dispositivo da Constituição Federal que assegura às famílias remanescentes de quilombos a posse das terras que ocupam.
Enquanto o processo judicial corria, os proprietários chegaram a invadir a área, ocupando-a com gado e fechando o acesso das famílias às terras onde moravam. Por ordem do juiz Hallison Rêgo Bezerra, da 15a. Vara Federal, em Ceará-Mirim, eles foram obrigados a liberar o acesso e a desocupar o terreno. Depois de nova perícia técnica e outros atos processuais, o juiz decidiu-se pelo direito dos quilombolas, considerando legal a desapropriação e constitucional o Decreto Federal sobre a questão. Aceitou, porém, aumentar a indenização em R$ 3.000,00, valor atribuído a 151 cajueiros não contabilizados no laudo inicial da desapropriação.
Contra o retrocesso
Apesar da derrota, os fazendeiros mantiveram a ação, recorrendo ao TRF da 5a. Região, com as mesmas alegações. “Além de ser abusiva, por desrespeitar o direito das famílias de Acauã, que comprovaram a ocupação legítima das terras por seus ascendentes, essa ação é um atentado à Constituição Federal, que reconhece a chamada Territorialidade Quilombola”, afirma o deputado estadual Fernando Mineiro (PT-RN), que promove audiência pública sobre o tema nesta sexta-feira (9), às 14h30, na Assembleia Legislativa.
Mineiro lembra que a constitucionalidade do Decreto Federal regulamentando a demarcação dos territórios quilombolas já é discutida no Supremo Tribunal Federal em ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) impetrada pelo DEM ainda quando se chamava PFL. A votação se arrasta desde 2012, com apenas dois votos proferidos (o então relator César Peluso a favor do DEM e Rosa Weber contra). “Uma decisão do TRF pela inconstitucionalidade, mesmo passível de recurso ao STF, seria um reforço perigoso a essa tese do DEM, além de paralisar imediatamente os processos de titulação de terras em todo o Brasil “, alerta Mineiro. “Daí a importância da audiência pública nesta sexta-feira, amplificando o debate sobre o problema e mobilizando toda a sociedade, através das entidades e dos movimentos sociais, para defender os direitos dos quilombolas e impedir esse retrocesso. Somos todos Acauã”.
Para a audiência foram convidados representantes das comunidades quilombolas e dos movimentos sociais, entre os quais: Gabriella Rodrigues Santos, advogada da Comissão Pastoral da Terra (CPT NEII); Eduardo Fernandes de Araújo, professor da UFPB; Lidiane Apolinário, moradora em Acauã, estudante de Direito e integrante da COEQ/RN (Coordenação Estadual de Quilombos do RN); Elizabeth Lima, assistente social e militante do Movimento Negro-CONEN/AMNB e Rede de Mulheres Negras do NE; Daniel Pessoa, presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos; Paulo Coutinho, presidente da OAB/RN; e Sebastião Catarino da Silva, presidente da Associação Quilombola dos Moradores de Acauā/Poço Branco.
Em ação semelhante julgada no Paraná, o TRF da 4a. Região já refutou (leia mais aqui) a inconstitucionalidade alegada pelos fazendeiros e pelo DEM.
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