quinta-feira, 21 de junho de 2018

MPF recomenda ao Incra que revogue resolução que reduziu Território Quilombola Mesquita em Goiás

Autarquia federal contrariou estudos técnicos que apontaram para a necessidade da demarcação do TQM em 4.160 hectares
banner onde se lê: Recomendação MPF
Imagem: Secom/PGR
O Ministério Público Federal (MPF) em Luziânia expediu ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), nesta terça-feira (19), recomendação para que a autarquia federal revogue a Resolução nº 12, de 17 de maio de 2018. O documento reduziu o Território Quilombola Mesquita (TQM), localizado no município goiano de Cidade Ocidental, de 4.160 hectares para apenas 971,4 hectares, o que corresponde a uma perda em termos percentuais de mais de 76%.
De acordo com informações colhidas pelo MPF, a resolução do Incra acolheu proposta da Associação Renovadora do Quilombo Mesquita (Arenquim), formulada por seu presidente, Valcinei Batista Silva, e promoveu a redução do TQM. Ocorre que existem sérias dúvidas acerca da representatividade da diretoria da Arenquim perante os associados e toda a Comunidade Mesquita, em razão de denúncias de fraudes no processo eleitoral que a elegeu. Além disso, verificou-se que a citada resolução está amparada única e exclusivamente na proposição formulada pela Arenquim. Com isso, contrariou frontalmente todos os estudos periciais, pesquisas de campo, pareceres técnicos e análises jurídicas que apontaram para demarcação do TQM em 4.160 hectares, como condição necessária à manutenção da função socioeconômica da comunidade e de reprodução sociocultural.
Para a procuradora da República Nádia Simas Souza, autora da recomendação, a redução do TQM foi promovida sem qualquer respaldo antropológico, sociológico ou histórico. Também desrespeitou a vontade da comunidade, consolidada pelos estudos realizados, inclusive por meio de pesquisas de campo, os quais foram todos convergentes e uníssonos em apontar para a imprescindibilidade da fixação dos limites do TQM segundo a área já delimitada, ou seja, de 4.160 hectares.
O MPF entende que a redução do TQM não contou com o prévio conhecimento e livre consentimento da Comunidade Mesquita. Além disso, a diminuição do território caracteriza nítida ameaça à integração, à coesão e à identidade étnica do grupo, o que contribuirá para o agravamento dos processos de exclusão e de marginalização social vivida pela comunidade, circunstância que pode promover até um verdadeiro etnocídio.
O Incra tem o prazo de 15 dias, após o recebimento da recomendação, para informar ao MPF sobre o seu acatamento ou não. O não cumprimento da recomendação ou a não apresentação de justificativas plausíveis para o seu não acatamento implicará a adoção, por parte do MPF, das medidas judiciais cabíveis.
Para mais informações, clique aqui e leia a íntegra da Recomendação nº 1/2018/MPF/PRM Luziânia–Formosa/1° Ofício.
Publicado em: 21/06/2018 | Edição: 118 | Seção: 1 | Página: 2

Órgão: Presidência da República/Casa Civil/Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária/Gabinete

RESOLUÇÃO Nº 15, DE 20 DE JUNHO DE 2018

O CONSELHO DIRETOR DO INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA, Autarquia Federal criada pelo Decreto-lei nº 1.110, de 9 de julho de 1970, alterado pela Lei nº 7.231, de 23 de outubro de 1984, por seu Presidente, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo art. 6º e 7º do Decreto nº 8.955, de 11 de janeiro de 2017, combinado com o art. 11, do Regimento Interno, aprovado pela Portaria/INCRA/P/Nº 338, de 9 de março de 2018, publicada no Diário Oficial da União de 13 de março de 2018, tendo em vista a decisão adotada em sua 681ª Reunião, realizada em 20 de junho de 2018, e

Considerando o Despacho nº 01/2018, da Diretoria de Ordenamento da Estrutura Fundiária, de 19 de junho de 2018;

Considerando a NOTA n. 00085/2018/CCA/PFE-INCRA-SEDE/PGF/AGU, NUP: 54700.001261/2006-82, resolve:

Art. 1º REVOGAR os artigos 2º e 3º da RESOLUÇÃO/INCRA/CD/Nº 12, de 17 de maio de 2018, publicada no DOU nº 99, Seção 1, página 5, de 24 de maio de 2018.

Art. 2º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

LEONARDO GÓES SILVA

Presidente do Conselho

Este conteúdo não substitui o publicado na versão certificada (pdf).

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Nota de repúdio contra resolução do Incra que viola direitos quilombolas

Ao reduzir o território por ato administrativo, sem consulta prévia da comunidade, o órgão atenta contra a cidadania não só dos quilombolas de Mesquita, mas de todas as comunidades quilombolas do Brasil
Nota de repúdio contra resolução do Incra que viola direitos quilombolas
O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) vem a público manifestar o seu repúdio à resolução Nº 12, de 17 de maio de 2018, que reduz em 82,3% o território quilombola de Mesquita, em Goiás.
Entendemos que esta medida, publicada em 24 de maio no Diário Oficial da União (DOU), é flagrante do racismo institucional e apropriação da coisa pública por interesses privados, na media em que a referida resolução ignora diversos procedimentos administrativos previstos em lei que ajustam o processo de regularização fundiária de territórios quilombolas no Brasil.
Sem consultar de forma ampla a comunidade, como previsto na Convenção 169 da OIT (da qual o Brasil é signatário), e ignorando anos de acúmulo e estudos produzidos, o Incra reduziu para 761 hectares uma área de 4,3 mil hectares, contrariando o que foi previamente definido por meio do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID).
O RTID, de responsabilidade do próprio Incra, é um estudo multidisciplinar previsto em lei como parte do processo de regularização fundiária de territórios quilombolas, e é um dos procedimentos necessários para a titularização definitiva da área.
Ao reduzir o território por ato administrativo, sem consulta prévia, livre e informada da comunidade, o órgão atenta contra a cidadania não só dos quilombolas de Mesquita, mas de todas as comunidades quilombolas do Brasil.
Previsto na Constituição de 1988, o direito quilombola aos seus territórios foi regulamentado pelo Decreto 4887, de 2003, e pela Instrução Normativa 57, de 2009. E não se restringe ao acesso à terra, mas engloba o direito à história e à possibilidade de garantia de reprodução sociocultural das comunidades quilombolas.
A promoção dos direitos quilombolas tem, ainda, cunho reparatório, uma vez que o Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravidão, sem garantir a inserção socioeconômica dos brasileiros descendentes de africanos escravizados, que sempre lutaram contra a opressão a eles imposta. A Constituição de 1988 finalmente incluiu esses brasileiros como sujeitos de direitos, mas ainda temos um longo caminho para a superação do racismo estrutural característico de nossa sociedade.
Para garantir interesses de fazendeiros e empresas privadas, o referido ato do Incra promove a violação de direitos humanos dos quilombolas de Mesquita, bem como abre precedente para o descumprimento dos procedimentos legais que visam garantir ao povo brasileiro, principalmente o povo negro, o seu direito à história, ao presente e ao futuro.
O Inesc tem atuado junto aos adolescentes quilombolas naquele território desde 2012, buscando dialogar sobre direitos humanos, com foco no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Nessa experiência, pudemos conhecer a dinâmica cultural local, a preservação do Rio Bartolomeu, a produção de alimentos orgânicos, a cultura do marmelo e os festejos religiosos da comunidade. São riquezas que ultrapassam a lógica de mercado que querem impor à comunidade com a redução de seu território.
Em um momento de profunda crise econômica e política, onde o capital avança sem considerar o bem-estar das pessoas, em que os direitos socioambientais são ameaçados, ressaltamos que quilombo não é resquício, quilombo é presente, é resistência.
O Inesc seguirá acompanhando o caso, apoiando a comunidade de Mesquita e a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
Fonte: http://www.inesc.org.br/noticias/noticias-do-inesc/2018/maio/nota-de-repudio-contra-resolucao-do-incra-que-viola-direitos-quilombolas