quinta-feira, 22 de junho de 2017

Audiência discute defesa dos territórios quilombolas

Publicado em: 20/06/2017 08:13 Atualizado em: 20/06/2017 08:33 

Centenas de quilombolas, das mais diversas comunidades localizadas em Pernambuco e em outros estados do Nordeste, estão mobilizados até esta quarta-feira no Recife para uma agenda de lutas em defesa de seus territórios tradicionais e da manutenção da constitucionalidade do Decreto 4887/03. Na manhã desta terça-feira, o tema será debatido durante uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco (Alepe). A audiência "Quilombolas, nenhum direito a menos: a regulamentação fundiária e os direitos dos povos remanescentes dos quilombos”,  discutirá, além do Decreto, o contexto de violações de direitos, conflitos agrários  a luta pelo território quilombola.

 
A constitucionalidade do Decreto 4887/03, que estipula todos os procedimentos para a titulação dos territórios quilombolas no país, será julgado no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), no dia 21 de junho de 2017. Se o TRF5 entender por sua inconstitucionalidade, todas as comunidades quilombolas que encontram-se sob sua área de abrangência terão seus processos de titulação que tramitam no INCRA completamente suspensos. Por outro lado, se o TRF5 julgar que o decreto é constitucional, a política quilombola de titulação será fortalecida, fazendo-se justiça à história de lutas e conquistas dos quilombolas.
 
O caso a ser julgado está vinculado à comunidade quilombola de Acauã, localizada no município de Poço Branco, no Rio Grande do Norte [Paraler mais, clique aqui]. No entanto, o julgamento não terá efeitos apenas para a comunidade. A decisão definitiva do TRF5 atingirá diretamente as comunidades quilombolas dos estados de Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, e indiretamente todas as comunidades quilombolas do país. 
 
A CPT estima que aproximadamente 20 mil famílias quilombolas – que já possuem procedimentos abertos no Incra, nos estados de abrangência do TRF5 – serão imediatamente impactadas caso o decreto se torne inconstitucional. O número de quilombolas que poderá ser atingido, no entanto, é bem maior, uma vez que centenas de comunidades ainda não possuem procedimentos abertos no órgão ou sequer são oficialmente reconhecidas pelo Estado.

Ataques recorrentes – A Constituição Federal de 1988 reconheceu no art. 68 do ADCT o direito de todas as comunidades quilombolas do Brasil terem seus territórios titulados. Mas, para que esse direito se aplique na prática é preciso que exista o Decreto Federal 4887/03, pois é através desse instrumento que o INCRA passa a ter a possibilidade de fazer o direito constitucional quilombola acontecer na prática.

O Decreto 4887/03 tem sido atacado, desde sua publicação, por setores conservadores da sociedade, grupos e pessoas que não querem ver a Constituição se realizar na prática, que não querem que as comunidades quilombolas tenham acesso à terra para viabilizar autonomia e vida digna para o povo negro. Logo após a publicação do Decreto, o Partido da Frente Liberal (PFL), hoje Democratas, ajuizou perante o Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3239, que tem por objetivo justamente a declaração de sua inconstitucionalidade. Essa ação no STF já teve seu julgamento iniciado e está empatada com um voto pela inconstitucionalidade, proferido pelo Ministro Cesar Peluso, e outro pela constitucionalidade, proferido pela Ministra Rosa Weber, e aguarda retomada do julgamento desde 2015.

Outro ataque ao decreto quilombola veio de latifundiários do Paraná, que em 2013 conseguiram que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região julgasse a constitucionalidade do decreto quilombola. Nesse caso, após intensa luta da comunidade quilombola do Paiol de Telha, o TRF4 declarou o decreto constitucional por 12 votos a 3.

Fato inédito - Vinte e três comunidades foram habilitadas como amicus curiae no processo que julgará o decreto 4887/07. O relator do processo, Desembargador Edilson Nobre, deferiu,  no início da semana passada, o pedido de habilitação como amicus curiae de 23 comunidades quilombolas dos estados de Pernambuco e Rio Grande do Norte. Além das comunidades, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Defensoria Pública da União, a Fundação Cultural Palmares e a Associação dos Advogados/as de Trabalhadores Rurais (AATR) também se habilitaram no processo como amicus curiae.
 
A expressão em latim faz referência à participação de terceiros em processos jurídicos, com o objetivo de subsidiar a Corte com informações relevantes sobre a causa a ser julgada. Para Gabriella Santos, assessora jurídica e advogada da CPT, a participação direta das comunidades no processo, como "amigos da corte" é fundamental, por se tratar de uma causa que vai impactar diretamente centenas de comunidades quilombolas existentes no território abrangido pelo TRF 5. “Como amicus curiae, as comunidades quilombolas podem fornecer subsídios que ajudem a instruir o processo, pois os Desembargadores estão diante de uma causa de especial relevância e complexidade, inclusive porque nesses casos o instrumento do amicus serve como forma de ampliar e qualificar o contraditório, previsto na Constituição Federal”, analisa.

Para Jeferson Pereira, quilombola do território Águas do Velho Chico, localizado em Orocó, Pernambuco, “as comunidades quilombolas de várias regiões se colocam à disposição para mostrar ao Estado Brasileiro que ele, quanto principal responsável pela tutela jurisdicional, deve proteger a sua população. Nós, comunidades quilombolas, enquanto população do país, merecemos esse respeito”. Jeferson também ressalta que a mobilização e união das comunidades quilombolas neste momento são fundamentais para evitar mais perdas de direitos. “É muito importante que as comunidades quilombolas se unam em torno de sua grande pauta, que é o território, e que está definitivamente ameaçada por esse julgamento que ocorrerá no TRF 5. Reafirmamos a importância de todos os quilombos do Brasil se unirem, para que os poucos direitos duramente conquistados não sejam suprimidos“, comenta. O quilombola ressalta ainda que “diante de tantas opressões vividas ao longo da nossa história, as comunidades quilombolas sempre se uniram em torno do que mais necessitavam: liberdade, enquanto possibilidade de manutenção de nossas tradições e de nossos direitos. Hoje não será diferente”.

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