Hoje (3), é celebrado o Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial.
A data faz referência à aprovação da Lei nº 1.390, em 1951, mais conhecida como Lei Afonso Arinos. O documento “inclui entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceitos de raça ou de cor”.
Primeira legislação brasileira com a temática da igualdade racial, a publicação foi modificada em 1985, com a Lei n° 7.437/1985.
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Breve histórico da legislação de crimes raciais no ordenamento jurídico brasileiro
CÓDIGO PENAL DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL
CÓDIGO PENAL DE 1940
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1967
Após a promulgação da Lei Áurea, é publicado o “Código Penal dos Estados Unidos do Brasil”, de 11 de outubro de 1890, que, não bastasse o não estabelecimento de qualquer conduta punitiva aos autores de discriminação, enuncia como contravenção penal em seu art. 402, primeira parte:
“Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e destreza corporal conhecidos pela denominação capoeiragem (...)
Pena: de prisão celular por dois a seis meses”.
Note que tal esporte, hoje tão praticado no Brasil e no mundo, e que fora uma das mais marcantes e significativas manifestações culturais do negro em nosso país, outrora fora penalizado criminalmente, apenas dois anos após a “libertação dos escravos”; embora não houvesse expressa referencia a seu praticante no texto legislativo.
CÓDIGO PENAL DE 1940
O Código Penal - Decreto Lei n. 2.848/40, em vigor, não trata do preconceito e nem da discriminação, mesmo com suas alterações posteriores.
CONSTITUIÇÕES FEDERAIS DE 1934, 1937 E 1946
Como bem pesquisado por Fabiano Silveira (2007, p..26), a Constituição Federal de 16 de julho de 1934, buscando “inspiração no novo constitucionalismo do pós-guerra de 1914/1918 e nas Constituições representativas do constitucionalismo social do século XX”[1], como anota Raul Machado Horta – incorporou, ineditamente, a expressão “raça” ao dispor sobre o princípio da igualdade, consoante o art. 113, n.1:
Art. 113. 1 – Todos são iguaes perante a lei. Não haverá privilégios, nem distincções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos paes, classe social, riqueza, crenças religiosas ou idéas políticas; (...)
O dispositivo em foco, todavia, vigeu por curtíssimo período, retornando a Carta outorgada de 10 de novembro de 1937 ao laconismo do “todos são iguais perante a lei”, como se lê do seu art. 122, nº. 1, frustrando, uma vez mais, as expectativas de avançar no combate à discriminação racial.
Essa mesma fórmula fora adotada pelo art. 141, § 1.º, da Constituição Federal de 18 de setembro de 1946, observando-se, porém, na parte final do § 5.º do mencionado artigo, a expressão ”preconceitos de raça” como limitativa do direito à livre manifestação do pensamento, nos seguintes termos:
Art. 141. § 5.º Não será, porém, tolerada, propaganda de guerra, de processos violentos para subverter a ordem política e social, ou de preconceitos de raça ou de classe.
LEI Nº 1.390/1951 – LEI “AFONSO ARINOS”
Em 03 de julho de 1951, foi promulgada a Lei 1.390, denominada Lei Afonso Arinos, que incluía as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceitos de raça e de cor, tendo como autor intelectual, o deputado Afonso Arinos de Melo Franco (SILVEIRA, 2007, p. 63). Em 17 de julho de 1950, o deputado justificou o referido projeto de lei.
(...) 4 – Urge, porém, que o Poder Legislativo adote medidas convenientes para que as conclusões científicas tenham adequada aplicação na política do Govêrno. As disposições da Constituição Federal e os preceitos dos acordos internacionais de que participamos, referentes ao assunto, ficarão como simples declarações platônicas se a lei ordinária não lhe vier dar fôrças de regra obrigatória de direito. 5 – Por mais que se proclame a inexistência, entre nós, do preconceito de raça, a verdade é que ele existe, e com perigosa tendência a se ampliar (...) é sabido que certas carreiras civis, como o corpo diplomático, estão fechadas aos negros; que a Marinha e a Aeronáutica criam injustificáveis dificuldades ao ingresso de negros nos corpos de oficiais e que outras restrições existem, em vários setores da administração. 6 – Quando o Estado, por seus agentes, oferece tal exemplo de odiosa discriminação, vedada pela Lei Magna, não é de se admirar que estabelecimentos comerciais proíbam a entrada de negros nos seus recintos (...) 9 – Nada justifica, pois, que continuemos disfarçadamente a fechar os olhos à prática de atos injustos de discriminação racial que a ciência condena, a justiça repele, aConstituição proíbe, e que podem conduzir a monstruosidade como os “pogrooms” hitleristas ou a situações insolúveis como a de grande massa negra norte-americana”.
A Lei Afonso Arinos foi o primeiro dispositivo a tratar positivamente os crimes raciais e de preconceito no ordenamento penal brasileiro.
Os crimes raciais na referida lei eram enquadrados como meras contravenções penais e suas penas eram apenas simbólicas, com penas brandas que não chegavam a um ano de prisão simples ou multa.
Também muito se questionou sobre a tipificação das condutas, entendidas como pouco abrangentes, nada mais sendo uma contravenção que mera variação da outra, gerando a dificuldade de aplicação da lei.
A Lei Afonso Arinos dispõe da recusa, por parte de estabelecimento comercial ou de ensino, de hospedar, servir, atender ou receber cliente, comprador ou aluno (art. 1º); recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem ou estabelecimento da mesma finalidade (art. 2º); recusar a venda de mercadorias em lojas de qualquer gênero, ou atender clientes em restaurantes, bares, confeitarias e locais semelhantes, abertos ao público, onde se sirvam alimentos, bebidas, refrigerantes e guloseimas (art. 3º); recusar entrada em estabelecimento público, de diversões ou esporte, bem como em salões de barbearia ou cabeleireiros (art. 4º); recusar inscrição de aluno em estabelecimentos de ensino de qualquer curso ou grau (art. 5º); obstar o acesso a qualquer cargo do funcionalismo público ou ao serviço em qualquer ramo das forças armadas (art. 6º); negar emprego ou trabalho a alguém em autarquia, sociedade de economia mista, empresa concessionária de serviço público ou empresa privada (art. 7º).
Augusto Silveira (2007, p. 64) lembra que:
"referida lei nunca esteve entre os instrumentos legais mais eficazes; ao contrário, segundo investigação de Peter Eccles[2], dos três casos levados à Justiça de que se teve noticia, dois resultaram em condenação. Como contravenções penais são, por natureza, infrações de menor potencial ofensivo, a lei de 1951, em certo sentido, não se desvia do tradicional gradualismo das leis emancipatórias – o racismo, para ser definido como crime, teve ser antes contravenção."
A Constituição de 24 de janeiro de 1967 trouxe em seus artigos a repreensão expressa quanto ao preconceito racial, conforme artigos transcritos abaixo:.
Art 150 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 1º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção, de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. O preconceito de raça será punido pela lei.(...)
(...) § 8º - É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica e a prestação de informação sem sujeição à censura, salvo quanto a espetáculos de diversões públicas, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos independe de licença da autoridade. Não será, porém, tolerada a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de raça ou de classe.
A expressão “será punido pela lei” facultava ao legislador infraconstitucional a descrição de contravenções penais ou de crimes, como quer que escolhesse. Evidentemente, na falta de movimentação legislativa, recepcionada estava a Lei Afonso Arinos.
A Lei Afonso Arinos, por mais objeções que tivesse, fulgurou por mais de trinta anos, como o principal instrumento de reação ao racismo, vindo ser revogada com o advento da lei n. 7437, de 20 de dezembro de 1985.
LEI N. 5.250/1967 – “LEI DE IMPRENSA”
A “Lei de Imprensa” promulgada em fevereiro de 1967,certamente influenciada pelotexto constitucional de 1946, também estabeleceu espécie de delito vinculado a exteriorização do preconceito ou da discriminação, em seu art. 14.º, inserido no capitulo III (Dos abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação), onde se lê:
“Fazer propagando de guerra, de processo para subversão da ordem política e social ou de preconceito de raça ou de classe: Pena – de 1 (um) a 4 (quatro) anos de detenção”.
Convém também destacar que o Decreto Lei n. 314, de 13 de março de 1967, conhecido como “Lei de Segurança Nacional”, estabeleceu como crime, em seu art.33:
Art. 33 Incitar publicamente:
(...)
IV – ao ódio ou a discriminação racial:
Pena – detenção de um a três anos”.
Tal diploma foi revogado pela novaLei de Segurança Nacionall, a Lei n.7.1700, de 14 de dezembro de 1983, que estabeleceu em seu art.222:
“Fazer, em público, propaganda:
(...)
II – de discriminação racial, de luta pela violência entre as classes sociais, de perseguição religiosa;
Pena: detenção de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
§ 1º – A pena é aumentada de um terço quando a propaganda for feita em local de trabalho ou por meio de radio ou televisão.
§ 2º – Sujeita-se a mesma pena quem distribuiu ou redistribui:
a) fundos destinados a realizar a propaganda de que trata este artigo;
b) ostensiva ou clandestinamente boletins ou panfletos contendo a mesma propaganda.
§ 3.º – Não constitui propaganda criminosa, a exposição, a critica ou o debate de quaisquer doutrinas”.
A aplicabilidade da Lei de Segurança Nacional ou da Lei n. 7.&16/89 decorrerá da verificação do bem jurídico lesado, diante de eventual conflito aparente de normas.
DECRETO – LEI Nº 1.001/1969
Em 21 de outubro de 1969 foi editado o citado Decreto-Lei que instituiu o Código Penal Militar, onde foi prevista a prática do genocídio no art. 208, com a seguinte redação:
“Matar membros de um grupo nacional, étnico, religioso ou pertencente a uma determinada raça, com o fim de destruição total ou parcial desse grupo. Pena – reclusão de quinze a trinta anos”.
No § 1.º do mesmo artigo estão presentes os denominados “casos assimilados”, na expressão legal. Trata-se, evidentemente, de crime próprio.
LEI Nº 7.437/1985
Em 20 de dezembro de 1985, foi promulgada a Lei em referência, a qual modificou a “Lei Afonso Arinos.”
Merece realce, inicialmente, que a Lei 7.437/85, incluía “‘entre as contravenções penais, a prática resultantes de preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil, dando nova redação a Lei n. 1.390 de 3 de julho de 1951 - Lei Afonso Arinos”.
A Lei de 1985 manteve a natureza contravencional das infrações de cunho racista, reprimindo, simultaneamente, outras formas de discriminação (em razão de sexo ou de estado civil), mas padecendo do mesmo casuísmo ou simplesmente reproduzindo artigos das lei anterior, não contribuindo, pois, com sensíveis inovações ao tratamento da matéria.
REFERÊNCIAS
NABUCO, Joaquim. O abolicionista, 6. Ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999.
SILVEIRA, Fabiano Augusto Martins. Da criminalização do Racismo – Aspectos Jurídicos e Sociocriminológicos, 1º ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2006
RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro, 1º ed., Companhia de Bolso, 2006
HORTA, Estudos de direito constitucional, p.58.
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