Via Maria Frô:
Por: Luiz Felipe de Alencastro
Cientista Político e Historiador
Professor titular da cátedra de História do Brasil da Universidade de Paris IV Sorbonne
No presente ano de 2010, os brasileiros afro-descendentes, os
cidadãos que se auto-definem como pretos e pardos no recenseamento
nacional, passam a formar a maioria da população do país. A partir de
agora -, na conceituação consolidada em décadas de pesquisas e de
análises metodológicas do IBGE -, mais da metade dos brasileiros são
negros.
Esta mudança vai muito além da demografia. Ela traz ensinamentos
sobre o nosso passado, sobre quem somos e de onde viemos, e traz também
desafios para o nosso futuro.
Minha fala tentará juntar os dois aspectos do problema, partindo de
um resumo histórico para chegar à atualidade e ao julgamento que nos
ocupa. Os ensinamentos sobre nosso passado, referem-se à densa presença
da população negra na formação do povo brasileiro. Todos nós sabemos
que esta presença originou-se e desenvolveu-se na violência. Contudo, a
extensão e o impacto do escravismo não tem sido suficientemente
sublinhada. A petição inicial de ADPF apresentada pelo DEM a esta Corte
fala genericamente sobre “o racismo e a opção pela escravidão negra »
(pp. 37-40), sem considerar a especificidade do escravismo em nosso
país.
Na realidade, nenhum país americano praticou a escravidão em tão
larga escala como o Brasil. Do total de cerca de 11 milhões de africanos
deportados e chegados vivos nas Américas, 44% (perto de 5 milhões)
vieram para o território brasileiro num período de três séculos
(1550-1856). O outro grande país escravista do continente, os Estados
Unidos, praticou o tráfico negreiro por pouco mais de um século (entre
1675 e 1808) e recebeu uma proporção muito menor -, perto de 560.000
africanos -, ou seja, 5,5% do total do tráfico transatlântico.[1] No
final das contas, o Brasil se apresenta como o agregado político
americano que captou o maior número de africanos e que manteve durante
mais tempo a escravidão.
Durante estes três séculos, vieram para este lado do Atlântico
milhões de africanos que, em meio à miséria e ao sofrimento, tiveram
coragem e esperança para constituir as famílias e as culturas formadoras
de uma parte essencial do povo brasileiro. Arrancados para sempre de
suas famílias, de sua aldeia, de seu continente, eles foram deportados
por negreiros luso-brasileiros e, em seguida, por traficantes
genuinamente brasileiros que os trouxeram acorrentados em navios
arvorando o auriverde pendão de nossa terra, como narram estrofes menos
lembradas do poema de Castro Alves.
No século XIX, o Império do Brasil aparece ainda como a única nação
independente que praticava o tráfico negreiro em larga escala. Alvo da
pressão diplomática e naval britânica, o comércio oceânico de africanos
passou a ser proscrito por uma rede de tratados internacionais que a
Inglaterra teceu no Atlântico. [2]
O tratado anglo-português de 1818 vetava o tráfico no norte do
equador. Na sequência do tratado anglo-brasileiro de 1826, a lei de 7 de
novembro de 1831, proibiu a totalidade do comércio atlântico de
africanos no Brasil.
Entretanto, 50.000 africanos oriundos do norte do Equador são
ilegalmente desembarcados entre 1818 e 1831, e 710.000 indivíduos,
vindos de todas as partes da África, são trazidos entre 1831 e 1856, num
circuito de tráfico clandestino. Ora, da mesma forma que o tratado de
1818, a lei de 1831 assegurava plena liberdade aos africanos
introduzidos no país após a proibição. Em conseqüência, os alegados
proprietários desses indivíduos livres eram considerados sequestradores,
incorrendo nas sanções do artigo 179 do «Código Criminal», de 1830, que
punia o ato de “reduzir à escravidão a pessoa livre que se achar em
posse de sua liberdade ». A lei de 7 de novembro 1831 impunha aos
infratores uma pena pecuniária e o reembôlso das despesas com o reenvio
do africano sequestrado para qualquer porto da África. Tais penalidades
são reiteradas no artigo 4° da Lei de 4 de setembro de 1850, a lei
Eusébio de Queirós que acabou definitivamente com o tráfico negreiro.
Porém, na década de 1850, o governo imperial anistiou, na prática, os
senhores culpados do crime de seqüestro, mas deixou livre curso ao
crime correlato, a escravização de pessoas livres.[3] De golpe, os
760.000 africanos desembarcados até 1856 -, e a totalidade de seus
descendentes -, continuaram sendo mantidos ilegalmente na escravidão até
1888[4]. Para que não estourassem rebeliões de escravos e de gente
ilegalmente escravizada, para que a ilegalidade da posse de cada senhor,
de cada seqüestrador, não se transformasse em insegurança coletiva dos
proprietários, de seus sócios e credores -, abalando todo o país -, era
preciso que vigorasse um conluio geral, um pacto implícito em favor da
violação da lei. Um pacto fundado nos “interesses coletivos da
sociedade”, como sentenciou, em 1854, o ministro da Justiça, Nabuco de
Araújo, pai de Joaquim Nabuco.
O tema subjaz aos debates da época. O próprio Joaquim Nabuco -, que
está sendo homenageado neste ano do centenário de sua morte -, escrevia
com todas as letras em “O Abolicionismo” (1883): “Durante cinqüenta anos
a grande maioria da propriedade escrava foi possuída ilegalmente. Nada
seria mais difícil aos senhores, tomados coletivamente, do que
justificar perante um tribunal escrupuloso a legalidade daquela
propriedade, tomada também em massa”[5].
Tal “tribunal escrupuloso” jamais instaurou-se nas cortes
judiciárias, nem tampouco na historiografia do país. Tirante as ações
impetradas por um certo número de advogados e magistrados
abolicionistas, o assunto permaneceu encoberto na época e foi
praticamente ignorado pelas gerações seguintes.
Resta que este crime coletivo guarda um significado dramático: ao
arrepio da lei, a maioria dos africanos cativados no Brasil a partir de
1818 -, e todos os seus descendentes -, foram mantidos na escravidão
até 1888. Ou seja, boa parte das duas últimas gerações de indivíduos
escravizados no Brasil não era escrava. Moralmente ilegítima, a
escravidão do Império era ainda -, primeiro e sobretudo -, ilegal. Como
escrevi, tenho para mim que este pacto dos sequestadores constitui o
pecado original da sociedade e da ordem jurídica brasileira.[6]
Firmava-se duradouramente o princípio da impunidade e do casuísmo da
lei que marca nossa história e permanece como um desafio constante aos
tribunais e a esta Suprema Corte. Consequentemente, não são só os negros
brasileiros que pagam o preço da herança escravista.
Outra deformidade gerada pelos “males que a escravidão criou”, para
retomar uma expressão de Joaquim Nabuco, refere-se à violência policial.
Para expor o assunto, volto ao século XIX, abordando um ponto da
história do direito penal que os ministros desta Corte conhecem bem e
que peço a permissão para relembrar.
Depois da Independência, no Brasil, como no sul dos Estados Unidos, o
escravismo passou a ser consubstancial ao State building, à organização
das instituições nacionais. Houve, assim, uma modernização do
escravismo para adequá-lo ao direito positivo e às novas normas
ocidentais que regulavam a propriedade privada e as liberdades públicas.
Entre as múltiplas contradições engendradas por esta situação, uma
relevava do Código Penal: como punir o escravo delinqüente sem
encarcerá-lo, sem privar o senhor do usufruto do trabalho do cativo que
cumpria pena prisão?
Para solucionar o problema, o quadro legal foi definido em dois
tempos. Primeiro, a Constituição de 1824 garantiu, em seu artigo 179, a
extinção das punições físicas constantes nas aplicações penais
portuguesas. “Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de
ferro quente, e todas as mais penas cruéis”; a Constituição também
prescrevia: “as cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo
diversas casas para separação dos réus, conforme suas circunstâncias e
natureza de seus crimes”.
Conforme os princípios do Iluminismo, ficavam assim preservadas as liberdades e a dignidade dos homens livres.
Num segundo tempo, o Código Criminal de 1830 tratou especificamente
da prisão dos escravos, os quais representavam uma forte proporção de
habitantes do Império. No seu artigo 60, o Código reatualiza a pena de
tortura. “Se o réu for escravo e incorrer em pena que não seja a capital
ou de galés, será condenado na de açoites, e depois de os sofrer, será
entregue a seu senhor, que se obrigará a trazê-lo com um ferro pelo
tempo e maneira que o juiz designar, o número de açoites será fixado na
sentença e o escravo não poderá levar por dia mais de 50”. Com o açoite,
com a tortura, podia-se punir sem encarcerar: estava resolvido o
dilema.
Longe de restringir-se ao campo, a escravidão também se arraigava nas
cidades. Em 1850, o Rio de Janeiro contava 110.000 escravos entre seus
266.000 habitantes, reunindo a maior concentração urbana de escravos da
época moderna. Neste quadro social, a questão da segurança pública e da
criminalidade assumia um viés específico.[7] De maneira mais eficaz que a
prisão, o terror, a ameaça do açoite em público, servia para intimidar
os escravos.
Oficializada até o final do Império, esta prática punitiva
estendeu-se às camadas desfavorecidas, aos negros em particular e aos
pobres em geral. Junto com a privatização da justiça efetuada no campo
pelos fazendeiros, tais procedimentos travaram o advento de uma política
de segurança pública fundada nos princípios da liberdade individual e
dos direitos humanos.
Enfim, uma terceira deformidade gerada pelo escravismo afeta diretamente o estatuto da cidadania.
É sabido que nas eleições censitárias de dois graus ocorrendo no
Império, até a Lei Saraiva, de 1881, os analfabetos, incluindo negros e
mulatos alforriados, podiam ser votantes, isto é, eleitores de primeiro
grau, que elegiam eleitores de 2° grau (cerca de 20.000 homens em 1870),
os quais podiam eleger e ser eleitos parlamentares. Depois de 1881,
foram suprimidos os dois graus de eleitores e em 1882, o voto dos
analfabetos foi vetado. Decidida no contexto pré-abolicionista, a
proibição buscava criar um ferrolho que barrasse o acesso do corpo
eleitoral à maioria dos libertos. Gerou-se um estatuto de infracidadania
que perdurou até 1985, quando foi autorizado o voto do analfabeto. O
conjunto dos analfabetos brasileiros, brancos e negros, foi atingido.[8]
Mas a exclusão política foi mais impactante na população negra, onde o
analfabetismo registrava, e continua registrando, taxas
proporcionalmente bem mais altas do que entre os brancos.[9]
Pelos motivos apontados acima, os ensinamentos do passado ajudam a
situar o atual julgamento sobre cotas universitárias na perspectiva da
construção da nação e do sistema político de nosso país. Nascidas no
século XIX, a partir da impunidade garantida aos proprietários de
indivíduos ilegalmente escravizados, da violência e das torturas
infligidas aos escravos e da infracidadania reservada ao libertos, as
arbitrariedades engendradas pelo escravismo submergiram o país inteiro.
Por isso, agindo em sentido inverso, a redução das discriminações que
ainda pesam sobre os afrobrasileiros -, hoje majoritários no seio da
população -, consolidará nossa democracia.
Portanto, não se trata aqui de uma simples lógica indenizatória,
destinada a quitar dívidas da história e a garantir direitos usurpados
de uma comunidade específica, como foi o caso, em boa medida, nos
memoráveis julgamentos desta Corte sobre a demarcação das terras
indígenas. No presente julgamento, trata-se, sobretudo, de inscrever a
discussão sobre a política afirmativa no aperfeiçoamento da democracia,
no vir a ser da nação. Tais são os desafios que as cotas raciais
universitárias colocam ao nosso presente e ao nosso futuro.
Atacando as cotas universitárias, a ADPF do DEM, traz no seu ponto 3 o
seguinte título « o perigo da importação de modelos : os exemplos de
Ruanda e dos Estados Unidos da América » (pps. 41-43). Trata-se de uma
comparação absurda no primeiro caso e inepta no segundo.
Qual o paralelo entre o Brasil e Ruanda, que alcançou a independência
apenas em 1962 e viu-se envolvido, desde 1990, numa conflagração
generalizada que os especialistas denominam a « primeira guerra mundial
africana », implicando também o Burundi, Uganda, Angola, o Congo
Kinsasha e o Zimbábue, e que culminou, em 1994, com o genocídio de quase
1 milhão de tutsis e milhares de hutus ruandenses ?
Na comparação com os Estados Unidos, a alegação é inepta por duas
razões. Primeiro, os Estados Unidos são a mais antiga democracia do
mundo e servem de exemplo a instituições que consolidaram o sistema
político no Brasil. Nosso federalismo, nosso STF -, vosso STF – são
calcados no modelo americano. Não há nada de “perigoso” na importação de
práticas americanas que possam reforçar nossa democracia. A segunda
razão da inépcia reside no fato de que o movimento negro e a defesa dos
direitos dos ex-escravos e afrodescendentes tem, como ficou dito acima,
raízes profundas na história nacional. Desde o século XIX, magistrados e
advogados brancos e negros tem tido um papel fundamental nesta
reinvidicações.
Assim, ao contrário do que se tem dito e escrito, a discussão
relançada nos anos 1970-1980 sobre as desigualdades raciais é muito mais
o resultado da atualização das estatísticas sociais brasileiras, num
contexto de lutas democráticas contra a ditadura, do que uma propalada
« americanização » do debate sobre a discriminação racial em nosso país.
Aliás, foram estas mesmas circunstâncias que suscitaram, na mesma
época, os questionamentos sobre a distribuição da renda no quadro do
alegado « milagre econômico ». Havia, até a realização da primeira PNAD
incluindo o critério cor, em 1976, um grande desconhecimento sobre a
evolução demográfica e social dos afrodescendentes.
De fato, no Censo de 1950, as estatísticas sobre cor eram limitadas,
no Censo de 1960, elas ficaram inutilizadas e no Censo de 1970 elas eram
inexistentes. Este longo período de eclipse estatística facilitou a
difusão da ideologia da “democracia racial brasileira”, que apregoava
de inexistência de discriminação racial no país. Todavia, as PNADs de
1976, 1984, 1987, 1995, 1999 e os Censos de 1980, 1991 e 2000, incluíram
o critério cor. Constatou-se, então, que no decurso de três décadas, a
desigualdade racial permanecia no quadro de uma sociedade mais
urbanizada, mais educada e com muito maior renda do que em 1940 e 1950.
Ou seja, ficava provado que a desigualdade racial tinha um caráter
estrutural que não se reduzia com progresso econômico e social do país.
Daí o adensamento das reivindicações da comunidade negra, apoiadas por
vários partidos políticos e por boa parte dos movimentos sociais.
Nesta perspectiva, cabe lembrar que a democracia, a prática
democrática, consiste num processo dinâmico, reformado e completado ao
longo das décadas pelos legisladores brasileiros, em resposta às
aspirações da sociedade e às iniciativas de países pioneiros. Foi
somente em 1932 -, ainda assim com as conhecidas restrições suprimidas
em 1946 -, que o voto feminino instaurou-se no Brasil. Na época, os
setores tradicionalistas alegaram que a capacitação política das
mulheres iria dividir as famílias e perturbar a tranquilidade de nação.
Pouco a pouco, normas consensuais que impediam a plena cidadania e a
realização profissional das mulheres foram sendo reduzidas, segundo o
preceito -, aplicável também na questão racial -, de que se deve tratar
de maneira desigual o problema gerado por uma situação desigual.
Para além do caso da política de cotas da UNB, o que está em pauta neste julgamento são, a meu ver, duas questões essenciais.
A primeira é a seguinte: malgrado a inexistência de um quadro legal
discriminatório a população afrobrasileira é discriminada nos dias de
hoje?
A resposta está retratada nas creches, nas ruas, nas escolas, nas
universidades, nas cadeias, nos laudos dos IML de todo o Brasil. Não me
cabe aqui entrar na análise de estatísticas raciais, sociais e
econômicas que serão abordadas por diversos especialistas no âmbito
desta Audiência Pública. Observo, entretanto, que a ADPF apresentada
pelo DEM, na parte intitulada « A manipulação dos indicadores sociais
envolvendo a raça » (pp. 54-59), alinha algumas cifras e cita como única
fonte analítica, o livro do jornalista Ali Kamel, o qual, como é
sabido, não é versado no estudo das estatísticas do IBGE, do IPEA, da
ONU e das incontáveis pesquisas e teses brasileiras e estrangeiras que
demonstram, maciçamente, a existência de discriminação racial no Brasil.
Dai decorre a segunda pergunta que pode ser formulada em dois tempos.
O sistema de promoção social posto em prática desde o final da
escravidão poderá eliminar as desigualdades que cercam os
afrobrasileiros? A expansão do sistema de bolsas e de cotas pelo
critério social provocará uma redução destas desigualdades?
Os dados das PNAD organizados pelo IPEA mostram, ao contrário, que as
disparidades se mantém ao longo da última década. Mais ainda, a entrada
no ensino superior exacerba a desigualdade racial no Brasil.
Dessa forma, no ensino fundamental (de 7 a 14 anos), a diferença
entre brancos e negros começou a diminuir a partir de 1999 e em 2008 a
taxa de frequência entre os dois grupos é praticamente a mesma, em torno
de 95% e 94% respectivamente. No ensino médio (de 15 a 17 anos) há uma
diferença quase constante desde entre 1992 e 2008. Neste último ano,
foram registrados 61,0% de alunos brancos e 42,0% de alunos negros desta
mesma faixa etária. Porém, no ensino superior a diferença entre os dois
grupos se escancara. Em 2008, nas faixas etárias de brancos maiores de
18 anos de idade, havia 20,5% de estudantes universitários e nas faixas
etárias de negros maiores de 18 anos, só 7,7% de estudantes
universitários.[10] Patenteia-se que o acesso ao ensino superior
constitui um gargalo incontornável para a ascensão social dos negros
brasileiros.
Por todas estas razões, reafirmo minha adesão ao sistema de cotas raciais aplicado pela Universidade de Brasília.
Penso que seria uma simplificação apresentar a discussão sobre as
cotas raciais como um corte entre a esquerda e a direita, o governo e a
oposição ou o PT e o PSDB. Como no caso do plebiscito de 1993, sobre o
presidencialismo e o parlamentarismo, a clivagem atravessa as linhas
partidárias e ideológicas. Aliàs, as primeiras medidas de política
afirmativa relativas à população negra foram tomadas, como é conhecido,
pelo governo Fernando Henrique Cardoso.
Como deixei claro, utilizei vários estudos do IPEA para embasar meus
argumentos. Ora, tanto o presidente do IPEA no segundo governo Fernando
Henrique Cardoso, o professor Roberto Borges Martins, como o presidente
do IPEA no segundo governo Lula, o professor Márcio Porchman -, colegas
por quem tenho respeito e admiração -, coordenaram vários estudos sobre
a discriminação racial no Brasil nos dias de hoje e são ambos
favoráveis às políticas afirmativas e às políticas de cotas raciais.
A existência de alianças transversais deve nos conduzir -, mesmo num
ano de eleições -, a um debate menos ideologizado, onde os argumentos de
uns e de outros possam ser analisados a fim de contribuir para a
superação da desigualdade racial que pesa sobre os negros e a democracia
brasileira.
[1].Ver o Database da Universidade de Harvard acessível no sítiohttp://www.slavevoyages.org/tast/index.faces
[2]. Demonstrando um grande desconhecimento da história pátria e
supercialidade em sua argumentação, a petição do DEM afirma na página
35: “Por que não direcionamos a Portugal e à Inglaterra a indenização a
ser devida aos afrodescendentes, já que foram os portugueses e os
ingleses quem organizaram o tráfico de escravos e a escravidão no
Brasil?”. Como é amplamente conhecido, os ingleses não tiveram
participação no escravismo brasileiro, visto que o tráfico negreiro
constituía-se como um monopólio português, com ativa participação
brasileira no século XIX. Bem ao contrário, por razões que não cabe
desenvolver neste texto, a Inglaterra teve um papel decisivo na extinção
do tráfico negreiro para o Brasil
[3]. A. Perdigão Malheiro, A Escravidão no Brasil – Ensaio Histórico, Jurídico, Social (1867),
Vozes, Petrópolis, R.J., 1976, 2 vols. , v. 1, pp. 201-222. Numa
mensagem confidencial ao presidente da província de São Paulo, em 1854,
Nabuco de Araújo, ministro da Justiça, invoca “os interesses coletivos
da sociedade”, para não aplicar a lei de 1831, prevendo a liberdade dos
africanos introduzidos após esta data, Joaquim Nabuco, Um Estadista do Império (1897-1899), Topbooks, Rio de Janeiro, 1997, 2 vols., v. 1, p. 229, n. 6
[4] . Beatriz G. Mamigonian, comunicação no seminário do Centre
d’Études du Brésil et de l’Atlantique Sud, Université de Paris IV
Sorbonne, 21/11/2006; D.Eltis, Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade, Oxford University Press, Oxford, U.K. 1989, appendix A, pp. 234-244.
[5] . Joaquim Nabuco, O Abolicionismo (1883), ed. Vozes,
Petrópolis, R.J., 1977, pp 115-120, 189. Quinze anos depois, confirmando
a importância primordial do tráfico de africanos -, e da na reprodução
desterritorializada da produção escravista -, Nabuco afirma que foi
mais fácil abolir a escravidão em 1888, do que fazer cumprir a lei de
1831, id., Um Estadista do Império (1897-1899), Rio de Janeiro, Topbooks,1997, 2 vols., v. 1, p. 228.
[6] . L.F. de Alencastro, “A desmemória e o recalque do crime na política brasileira”, in Adauto Novaes, O Esquecimento da Política, Agir Editora, Rio de Janeiro, 2007, pp. 321-334.
[7] . Luiz Felipe de Alencastro, “Proletários e Escravos: imigrantes
portugueses e cativos africanos no Rio de Janeiro 1850-1870”, in Novos Estudos Cebrap, n. 21, 1988, pp. 30-56;
[8] . Elza Berquó e L.F. de Alencastro, “A Emergência do Voto Negro”, Novos Estudos Cebrap, São Paulo, nº33, 1992, pp.77-88.
[9] . O censo de 1980 mostrava que o índice de indivíduos maiores de
cinco anos “sem instrução ou com menos de 1 ano de instrução” era de
47,3% entre os pretos, 47,6% entre os pardos e 25,1% entre os brancos. A
desproporção reduziu-se em seguida, mas não tem se modificado nos
últimos 20 anos. Segundo as PNADs, em 1992, verificava-se que na
população maior de 15 anos, os brancos analfabetos representavam 4,0 % e
os negros 6,1 %, em 2008 as taxas eram, respectivamente de 6,5% e 8,3%.
O aumento das taxas de analfabetos provém, em boa parte, do fato que a
partir de 2004, as PNADs passa a incorporar a população rural de
Rondônia, Acre, Amazonas,Roraima, Pará e Amapá. Dados extraídos das
tabelas do IPEA.
[10] . Dados fornecidos pelo pesquisador do IPEA, Mario Lisboa Theodoro, que também participa desta Audiência Pública.
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