Justiça
O Supremo Tribunal Federal (STF) julga nesta quarta-feira 25 a constitucionalidade das cotas raciais para ingresso nas universidades públicas. Colocado na pauta pelo novo presidente da corte, Carlos Ayres Britto, o julgamento pretende colocar fim à insegurança jurídica que cerca o tema, mas o debate a respeito da reserva de vagas para determinados grupos deve se prolongar.
Duas ações, ambas relatadas pelo ministro Ricardo Lewandowski, servirão como pano de fundo para o julgamento. A primeira é uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 186), de autoria do Democratas (DEM), contra a Universidade de Brasília (UnB), que reserva 20% das vagas do vestibular para estudantes negros. O argumento do partido é de que as cotas raciais ferem o princípio da igualdade. A outra ação é um Recurso Extraordinário (RE 597285) de um estudante gaúcho que foi eliminado do vestibular da Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) embora tivesse obtido notas superiores às dos cotistas. Isso ocorreu porque a universidade reserva 30% das vagas para quem estudou na rede pública, sendo que metade dessa cota é destinada aos candidatos que se declararem negros na inscrição.
Além dessas duas ações, o Supremo também julgará a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen). A entidade questiona os critérios de acesso ao ProUni. A matéria é relatada pelo ministro Carlos Ayres Britto. De acordo com a entidade, os critérios do programa são inconstitucionais e discriminatórias porque reservam as bolsas para alunos que estudaram integralmente em escola pública ou para aqueles que estudaram em escola particular com bolsa integral.
A probabilidade maior é de que a decisão do STF seja favorável às cotas. Em ocasiões anteriores, os ministros Joaquim Barbosa, Ayres Britto, Cármen Lúcia e Marco Aurélio Mello já se manifestaram favoráveis à questão. Se os quatro confirmarem esse posicionamento e outros dois também se manifestarem a favor das cotas, a questão estará definida. Neste julgamento, apenas dez ministros vão votar. Assim como no julgamento do aborto de anencéfalos, o ministro Dias Toffoli está impedido de participar do julgamento porque, na condição de advogado-geral da União, teve de se pronunciar sobre o tema.
Ainda que o STF confirme a legalidade das cotas, a discussão não deve ser encerrada. “A decisão será provavelmente uma declaração favorável com condicionantes, como participação dos envolvidos nos processos de avaliação e, principalmente, mecanismos relacionados à duração dessa política”, diz Evandro Charles Piza Duarte, professor de Direito na UnB.
Quais são os argumentos contrários
Um dos principais argumentos contrários às cotas raciais deve continuar causando polêmica mesmo se o STF considerar as ações afirmativas constitucionais. Este argumento se refere à capacidade dos processos seletivos de diferenciar os estudantes negros que, de fato, possuem uma condição social desfavorável, dos que pertencem a classes sociais altas. Quem é contrário às ações afirmativas voltadas para a população negra diz que os negros ricos poderiam ser beneficiados diante de um candidato branco e pobre. Assim, a desigualdade social se perpetuaria.
No entanto, segundo a procuradora-federal da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Dora de Lima Bertúlio, diversas universidades públicas já possuem instrumentos de verificação de jovens que se declaram negros. “Este é um argumento que não se sustenta e que tem o objetivo de descaracterizar essa política de inclusão. Hoje, faculdades como a UFSC, UFPR, UnB e a UEMS já possuem instrumentos para verificar a veracidade da declaração”, diz.
Para Duarte, este argumento também não encontra validade. Segundo ele, até mesmo os pequenos grupos negros com vantagens econômicas enfrentam o racismo e provam prejuízos sociais. “Brancos não gastam dinheiro desejando vencer o racismo. Mesmo o negro rico possui alguns prejuízos sociais como ofertas de trabalho e disputa por cargos de chefia”, diz. Embora admita que é necessário aperfeiçoar o sistema de auto-declaração, o professor defende que deve-se assegurar a liberdade de uma pessoa se enxergar como negro. “A política das cotas não se destina a uma pessoa específica mas, sim, para um grupo potencialmente descriminado por ser socialmente reconhecido como negro”, argumenta.
Caso a decisão do STF seja contrária à adoção das cotas raciais, deve-se manter as decisões já estabelecidas e apenas modular e regulamentar seus efeitos. Se isso acontecer, a população negra continuará com uma participação social menor e as desigualdades raciais persistirão, de acordo com Bertúlio. “As cotas promovem a integração maior entre negros e brancos nas universidades. As instituições públicas devem espelhar nossa diversidade social, caso contrário, irão fomentar o racismo”, conclui.
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