Foi sancionado pela presidenta Dilma Rousseff nesta quarta-feira (20), o marco legal da biodiversidade do Brasil. A Lei 7.735/2014 tem o papel de regulamentar o acesso ao patrimônio genético, além de estimular a pesquisa e valorizar os saberes dos povos tradicionais. A nova legislação reforça as diretrizes da Medida Provisória 2.186-16/2001 que incorpora os compromissos assumidos pelo governo perante a Convenção da Diversidade Biológica (CDB) das Nações Unidas.
O Brasil possui 17 seguimentos de sua população que são considerados tradicionais. Entre eles se destacam os povos quilombolas e indígenas, reconhecidos pela ONU como tribais, além de outros como comunidades de matriz africana, ribeirinhos, geraizeiros e ciganos. Com a medida, essas populações terão regulamentado o direito à participação nos benefícios pelo uso de seus conhecimentos sobre a natureza, quando cedidos à pesquisadores e à indústrias para produções como fármacos, cosméticos e adubos.
De acordo com Dilma, quase 300 povos estarão integrados nesse processo. Ela destaca ser uma vitória a elaboração de uma lei capaz de unir a capacidade de desenvolvimento, a inclusão de pessoas e a inovação a partir de pesquisas em ciência e tecnologia. “Estamos garantindo um ambiente favorável para que os mantenedores de conhecimentos tradicionais tenham reconhecidos o seu direito autoral, que os pesquisadores não tenham limites para pesquisar e que as empresas possam, sem conflitos e sem atribulações ou contestação, utilizar esse conhecimento”, afirmou.
A presidenta da Fundação Cultural Palmares (FCP/MinC), Cida Abreu, enfatiza a decisão como mais uma medida de proteção de territórios ancestrais de populações como as quilombolas e de matriz africana. “A lei será importante também à redução de conflitos e à garantia de direitos, uma vez que é comum que estranhos saiam de visitas a esses locais levando pedras para estudos e retornem equipados para o garimpo”, dimensionou.
Para Cida, a sanção da lei pode ser considerada a valorização e preservação dos patrimônios pertencentes às comunidades tradicionais e a declaração de um enfrentamento à grilagem, principal fator de conflito que coloca em risco diversos aspectos da cultura desses povos.
Saberes tradicionais X biopirataria - Durante a cerimônia de apresentação do marco legal, foi destacada ainda a criação de um fundo de repartição de benefícios que garantirá repasses para as comunidades tradicionais. A lei estabelece que as empresas depositem no fundo 1% da renda líquida obtida com a venda do produto acabado ou do material reprodutivo oriundo de patrimônio genético.
Conhecedora dos potenciais medicinais do Cerrado, Luzilene Moura Dias, quilombola da Fazenda Cágados e Lagoa dos Patos de Tocantins, se sentiu tranquilizada com a notícia da lei. “Nos passa uma segurança, pois é comum que cheguem pessoas pedindo ajuda para tratar problemas de saúde e que, dias depois, reaparecem para extrair as plantas de qualquer maneira, dizendo que são para estudos”, disse.
Luzilene explicou que o seu quilombo já passou por situações delicadas e praticamente irreversíveis, onde pessoas de fora, em muitos casos de outros países, desmataram áreas inteiras para extrair a seiva de uma única espécie. “Não é da nossa cultura desmatar. Só extraímos da natureza o necessário para a sobrevivência, sem agredir a floresta”, enfatizou. Vítima desse tipo de intervenção, a espécie Copaíba corre o risco de ser extinta nessa região.
Para o cacique Anuiá Yawalapiti, da etnia Yawalapiti, do Mato Grosso, é importante que as comunidades sejam consultadas e participem das decisões sobre os assuntos relacionados aos seus territórios, principalmente no que diz respeito ao uso sustentável dos recursos naturais e do legado por trás dos seus conhecimentos. “Antes da lei, as visitas aos territórios podiam ser consideradas constantes ameaças. Ela vem para contribuir para a preservação e porque é justo que os nossos ensinamentos à sociedade sejam reconhecidos e respeitados”, concluiu.
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