quinta-feira, 14 de março de 2013

Uma nova realidade

publicado em 10/03/2013 às 00h00.

Favelas brasileiras deixaram de ser endereços de pessoas de baixo poder aquisitivo. Com moradores que estudam e trabalham, comunidades movimentam R$ 56,1 bilhões ao ano

Diego Viñas | Arte: Edi Edson
diego.vinas@folhauniversal.com.br

Wênia Bandeira, de 29 anos, morou na maior favela da Paraíba, a Cachoeira. Hoje, ela trabalha como jornalista na capital do Estado. Bruno Correia, de 22 anos, é educador numa ONG em Heliópolis, maior comunidade de São Paulo, e já começou a fazer sua poupança para o futuro. A 30 minutos dali, em Paraisópolis, também na capital paulista, está Antonio da Silva Sousa, de 34 anos, que tem uma agência de turismo há 7 anos na região. Cada um tem uma história, cada um vive em um canto do País, mas todos nasceram na periferia e prosperaram com uma pitada de organização e espírito empreendedor.

Pastor da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) de Paraisópolis, Luis Fernando Henrique diz que a prosperidade é um dom de Deus e que, com a fé, é possível conquistar tudo. “Nós não devemos ser servos do nosso dinheiro. O dinheiro é que precisa ser nosso servo”, pondera o pastor.



Os consumidores que moram ou saíram de comunidades carentes têm movimentado uma parcela relevante da economia brasileira. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Data Popular em parceria com a Central Única das Favelas (Cufa) aponta que existem hoje no País cerca de 12 milhões de moradores apenas em comunidades. Para se ter uma dimensão dos números, essa população junta representaria o quinto maior Estado brasileiro. Denominado como Data Favela, o estudo indica também que esse aglomerado movimenta nada menos que R$ 56,1 bilhões por ano, valor que se aproxima, por exemplo, do Produto Interno Bruto (PIB) da Bolívia.

Para o diretor do Data Popular, Renato Meirelles, os números reforçam uma tendência de aumento do poder aquisitivo do brasileiro, sobretudo do morador de comunidades carentes. A classe média nessas comunidades já representa 65%. Em 2002, essa parcela era de apenas 37%. “Estamos estudando há muito tempo a mudança das classes sociais no Brasil e a consolidação da classe média, que se deu principalmente pela diminuição da pobreza. Os pobres estão enriquecendo mais rápido do que os próprios ricos”, argumenta Meirelles.

São diversos fatores que colaboraram para a mudança de cenário desses locais antes tidos como morada apenas de pobres. Meirelles aponta três como sendo os principais: o aumento no número de empregos formais, o crescimento do mercado e do empreendedorismo interno e o aumento da escolaridade média.

Em 10 anos, a porcentagem de pessoas que moram em comunidades brasileiras com ensino médio subiu de 13% para 35%. Além disso, a média de tempo de estudo alcançou 6 anos, contra 4 há 10 anos. “Vale lembrar que cada ano de estudo pode representar 15% a mais no salário de um profissional”, lembra Meirelles.

Em Heliópolis, maior comunidade do Estado de São Paulo, muitos projetos atuam para complementar a formação de seus moradores, sobretudo de jovens. Na União de Núcleos, Associações e Sociedade de Moradores de Heliópolis (Unas), entidade beneficente criada no início da década de 1980, são oferecidos cursos e oficinas de orientação a jovens que englobam temas como cidadania, educação e carreira.


Segundo o educador Reginaldo José Gonçalves, de 36 anos, a região cresceu muito. “Tanto em infraestrutura, saneamento básico, como na qualidade de vida, porque hoje muitos têm a sua casinha, o seu carro. Hoje em dia também todo mundo aqui tem acesso à internet.” O educador acredita, ainda, que o processo de desenvolvimento trouxe de volta a sensação de dignidade dos moradores. “Antes, muita gente tinha vergonha de falar que morava em favela. Numa entrevista de emprego, por exemplo, o pessoal falava que morava em outro bairro. Hoje mudou e qualquer um sabe que Heliópolis é um lugar que desenvolveu.” O mesmo acontece nas comunidades cariocas de acordo com a pesquisa Data Favela, que aponta que 85% dos jovens gostam do lugar onde moram e 80% dizem ter orgulho de fazer parte de sua comunidade.

Em Heliópolis, estima-se que existam cerca de 3 mil estabelecimentos comerciais, de acordo com a associação local dos comerciantes. “Aqui tem restaurante, agência que vende passagens aéreas, supermercado, padaria e, hoje, você não precisa sair daqui para viver”, completa Gonçalves.

O olhar empreendedor dentro das comunidades faz de certos moradores verdadeiros agentes que ajudam a movimentar a economia direta e indiretamente. Valdemar Freitas, de 46 anos, mora em Heliópolis desde que a região paulista era quase um campo aberto. Conhecedor de cada canto da comunidade, ele trabalha como panfleteiro. “Várias empresas de fora e de dentro da favela me procuram para divulgar seus serviços. São lojas de varejo, de roupas, óticas e até uma faculdade do lado de fora de Heliópolis fechou comigo a entrega de panfletos”, conta Valdemar, que também é conhecido na região como Carlos Freitas. “É o meu nome artístico”, esclarece o também locutor de rádio que, aos domingos, apresenta um programa musical na rádio comunitária Heliópolis.

Com o trabalho de entregador de panfletos, ele cobra de R$ 35 a R$ 40 para distribuir cerca de mil papéis. “E eles (as empresas) pedem para eu distribuir dentro de Heliópolis, porque sabem que aqui o pessoal consome mesmo”, explica. Freitas trabalha de segunda a sexta-feira, sai de casa às 8 horas e encerra suas atividades às 13 horas. Dedica as tardes para angariar mais “clientes”. Nessa rotina, fatura cerca de R$ 2 mil por mês, o que é suficiente para pagar suas despesas básicas.


Não bastassem os serviços básicos que abastecem as comunidades, muitas novidades já fazem parte da rotina dessa nova parcela consumidora das periferias brasileiras. Inaugurado em 2010 no Rio de Janeiro, o Cine Favela, na comunidade Nova Brasília, dentro do Complexo do Alemão, é uma das atrações preferidas dos moradores da região que, antes, só contavam com as salas de cinema de um shopping a 20 quilômetros de distância.


Em fevereiro deste ano, foi lançado um projeto para a construção do primeiro shopping center em favelas do Brasil. E mais uma vez o cenário escolhido foi o Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. O empreendimento é uma iniciativa do ex-sócio da Central Única das Favelas (Cufa), Celso Athayde, através do Favela Holding Participações, em parceria com a rede mineira de shoppings populares Uai. Serão cerca de R$ 20 milhões para a construção do espaço que terá 500 lojas, praça de alimentação, palco para shows e cinemas, mas a obra ainda não tem data para ser iniciada.

Empreendimentos deste porte podem atender a uma demanda de consumidores que ainda precisam sair de suas comunidades para comprar. Na pesquisa Data Favela, as compras que exigem pesquisa e planejamento, como as de eletrodomésticos, são realizadas fora das comunidades por 60% dos interessados.


O educador Reginaldo Gonçalves, de Heliópolis, costuma comprar roupas no chamado “asfalto”. “Eu compro roupa e tênis fora do bairro. Cinema também não tem aqui, então temos de ir ao shopping”. Boa parte do consumo, porém, ocorre dentro da comunidade. São as chamadas compras de conveniência, como recargas de celular, salão de beleza, produtos em mercado ou de higiene.

Ainda sem um shopping como terá o Complexo do Alemão e para suprir outras necessidades, o paulistano Bruno Soares, de 22 anos, usa seu salário dividindo 50% das dívidas de sua casa (mora com sua mãe e um irmão) e compras pela internet. “Eu já comprei vídeogame, jogos, tênis, roupas e até celular. Com o desenvolvimento da favela, nenhuma encomenda deixou de chegar no meu endereço”, garante.

Apesar de a rede virtual já ser uma realidade para 45% das pessoas de comunidades brasileiras, no Rio de Janeiro as compras pela internet ainda representam um tabu, segundo o Data Favela. Apenas 16% dos internautas das comunidades cariocas utilizam os sites de compras, sendo que 51% dos que têm receio alegam ter medo de pagar e não receber.

O acesso à internet dentro das comunidades virou uma realidade sobretudo com a invasão de estabelecimentos que oferecem acesso virtual às pessoas por preços baixos, mas com tempo limitado. Há 5 anos, ter uma lan house foi um grande investimento para João da Silva Miranda, de 33 anos, morador de Heliópolis. Ele, que chegou a faturar R$ 4 mil por mês no início das atividades, viu seu negócio cair no esquecimento. “Como quase todo mundo aqui tem internet em casa, consigo faturar uma média de R$ 1,2 mil por mês. Já estou pensando em mudar meu negócio, talvez uma lotérica”, planeja.

Agências bancárias já existem em todas as comunidades do País, segundo conta o economista Claudio Gradilone “Não é porque o sujeito é da favela que ele não tem direito a renda. Ele também está consumindo mais e, logo, tendo mais acesso ao crédito”, diz.

Apesar de um mercado tão aquecido e promissor, Gradilone não acredita em especulações ou quebra da economia dessas classes que vivem em favelas. “Aqui no Brasil os bancos são mais cautelosos do que, por exemplo, na Europa e nos Estados Unidos”, comenta.

Analista em cidadania e ordem urbana, o sociólogo e professor da PUC-Rio Marcelo Burgos alerta que é preciso ter cuidado ao incluir essa nova classe das comunidades como sendo parte da tradicional classe média. “Não podemos esquecer que a classe média está ligada historicamente a uma questão de ‘status’, o que inclui o endereço da pessoa. De repente, da noite para o dia, o Brasil deixou de ser um país pobre”, pondera.

A pesquisa Data Favela aponta que 70% dos moradores continuariam a morar no mesmo local se aumentasse sua renda. Para Burgos, esse sentimento de pertencimento não pode ser atribuído somente à questão financeira ou mesmo de formação. “Eles criam uma relação com o lugar onde moram também por conta das redes familiares. Os pobres ou quase pobres dependem muito do lugar onde moram, criando uma rede de sociabilidade”, diz ele, citando que em alguns casos há parentes que moram na mesma comunidade.

A questão levantada na pesquisa é subjetiva para Burgos, uma vez que na maior favela da América Latina, a Rocinha, no Rio de Janeiro, existem pessoas que querem se mudar para locais melhores, mesmo que dentro da própria comunidade. “Quando elas (os moradores) ascendem socialmente, aspiram sair.”

"Através da fé podemos ter tudo"

Em Paraisópolis, a segunda maior favela de São Paulo, é grande o comércio espalhado por ruas e vielas. Em meio a lojas e restaurantes há também um templo da Igreja Universal do Reino de Deus. Para o pastor Luis Fernando Henrique, pessoas de fora da comunidade nem sempre entendem que no local existem trabalhadores honestos e poucos enxergam o crescimento das classes baixas. “Precisamos lembrar que, para Deus, todos somos iguais e que, através da fé, podemos ter tudo.”

O pastor usa um trecho bíblico para exemplificar: “O Senhor te porá por cabeça, e não por cauda; e só estarás em cima, e não debaixo, se obedeceres aos mandamentos do Senhor teu Deus, que hoje te ordeno, para os guardar e cumprir” (Deuteronômio 28:13). “Não importa sua história, sua formação, de onde você é. Pela fé, as pessoas podem sair do nada e se tornar alguém bem-sucedido”, explica o pastor.

O trabalho da IURD Paraisópolis é contemplado, sobretudo, pelo grupo da Força Jovem (FJU). Semanalmente, cerca de 200 pessoas da comunidade se reúnem para promover projetos sociais, culturais e esportivos. O coordenador da FJU da região, Paulo Sérgio Inácio, de 30 anos, conta que muitos jovens prosperaram graças aos trabalhos de recuperação realizados na IURD. Com uma história que passou pelo mundo das drogas, Paulo fez votos a Deus e enquanto contava sobre sua salvação, não parou de mexer em seus dois aparelhos de telefonia celular. Um deles, de última geração. “Estou vendo as notícias do mundo, conectado às redes sociais, atualizando as informações da nossa igreja e sintonizado. Aqui, acreditamos que ser jovem é ser visionário”, resume.

A FJU-Paraisópolis promove ações que atendem integralmente à formação de crianças e jovens da igreja, como Leonardo Beirão, de 24 anos, que mudou sua vida quando procurou a IURD. Leonardo gastava com drogas e bebidas o dinheiro que recebia como catador de bolinhas de tênis. Depois de perder tudo, ele procurou a Força Jovem. “Recuperei meu emprego. Faço o que amo, que é dar aulas particulares de tênis e aprendi a administrar meu dinheiro. Antes eu gastava sem equlíbrio.”

Responsável pelo grupo de evangelização no Rio de Janeiro, o pastor Marcelo Moraes Dumont explica que o foco da igreja é falar da salvação aos que sofrem e ajudar também em outras áreas. “Os testemunhos mostram essa transformação em termos de cura, salvação, libertação, restauração sentimental e prosperidade.”

O comerciante Jorge Roberto da Silva, de 47 anos, é um exemplo. Ex-morador da Rocinha, maior favela da América Latina, e com um comércio amplo, ele passou por dificuldades antes de chegar à IURD. Morava de aluguel, não tinha emprego e vivia fazendo bicos. “Conquistamos nossa casa, temos vários imóveis alugados e carro. Foi na Igreja que aprendi a colocar em prática a fé e a conquistar a minha independência econômica.”

Colaborou Cristiane Alves

“Dinheiro não é Deus, mas sabendo usar ajuda muito”

Nos alegramos quando vemos as pessoas das classes mais baixas crescendo, sendo integradas em um nível melhor de vida. Temos acompanhado o desenvolvimento do País e orado por isso.

A prosperidade não é o ponto principal na Igreja Universal do Reino de Deus, mas trabalhamos forte, incentivando as pessoas a prosperar, porque o nosso Deus é o dono de tudo e há milhares de promessas pela vida econômica.

Claro que o principal é a prosperidade da alma, mas enquanto estivermos aqui neste mundo precisamos ter condições econômicas favoráveis. Às segundas-feiras realizamos uma palestra no Cenáculo em Santo Amaro, na capital paulista, que trata exatamente desse assunto, e milhares de pessoas têm alcançado sucesso na vida profissional.

Nas comunidades carentes, nosso trabalho em prol da prosperidade tem aproveitamento forte. Muita gente vivia com a corda no pescoço, hoje tem acesso a coisas que não tinha e que nunca imaginava ter.

Uma das coisas que mais escraviza o ser humano é a visão pequena, achando que nasceu pobre, vai morrer pobre. Quando muda a cabeça, muda de vida e nós trabalhamos para mudar a cabeça das pessoas.

Ensinamos que o dinheiro é um ótimo servo, mas um péssimo senhor. Nunca pode ser o primeiro na vida do ser humano para ele não trocar os valores. Muita gente muda quando ganha mais dinheiro, se afastando dos familiares e coisas desse tipo. O dinheiro não é Deus, mas sabendo usar ajuda muito.

Na Igreja Universal o dinheiro é o ‘sangue da igreja’, uma ferramenta que usamos para o desenvolvimento da obra de Deus e sempre deixamos bem claro que Ele não precisa de dinheiro, mas a Sua obra, sim.

O melhor ensinamento sobre não valorizar demasiadamente o dinheiro está na Bíblia. É o livro mais completo, que ensina tudo que o ser humano precisa, inclusive a não se apegar ao dinheiro, porque o amor a ele é a raiz de todos os males e não se deve viver em função dele.

Bispo Jadson Santos
Atual responsável pelo trabalho evangelístico da IURD no Estado de São Paulo


Fonte: Folha Universal

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