publicado em 10/03/2013 às 00h00.
Favelas brasileiras deixaram de ser endereços de pessoas de
baixo poder aquisitivo. Com moradores que estudam e trabalham,
comunidades movimentam R$ 56,1 bilhões ao ano
Diego Viñas | Arte: Edi Edson
diego.vinas@folhauniversal.com.br
Wênia Bandeira, de 29 anos, morou na
maior favela da Paraíba, a Cachoeira. Hoje, ela trabalha como jornalista
na capital do Estado. Bruno Correia, de 22 anos, é educador numa ONG em
Heliópolis, maior comunidade de São Paulo, e já começou a fazer sua
poupança para o futuro. A 30 minutos dali, em Paraisópolis, também na
capital paulista, está Antonio da Silva Sousa, de 34 anos, que tem uma
agência de turismo há 7 anos na região. Cada um tem uma história, cada
um vive em um canto do País, mas todos nasceram na periferia e
prosperaram com uma pitada de organização e espírito empreendedor.
Pastor da Igreja Universal do Reino de
Deus (IURD) de Paraisópolis, Luis Fernando Henrique diz que a
prosperidade é um dom de Deus e que, com a fé, é possível conquistar
tudo. “Nós não devemos ser servos do nosso dinheiro. O dinheiro é que
precisa ser nosso servo”, pondera o pastor.
Os consumidores que moram ou saíram de
comunidades carentes têm movimentado uma parcela relevante da economia
brasileira. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Data Popular em
parceria com a Central Única das Favelas (Cufa) aponta que existem hoje
no País cerca de 12 milhões de moradores apenas em comunidades. Para se
ter uma dimensão dos números, essa população junta representaria o
quinto maior Estado brasileiro. Denominado como Data Favela, o estudo
indica também que esse aglomerado movimenta nada menos que R$ 56,1
bilhões por ano, valor que se aproxima, por exemplo, do Produto Interno
Bruto (PIB) da Bolívia.
Para
o diretor do Data Popular, Renato Meirelles, os números reforçam uma
tendência de aumento do poder aquisitivo do brasileiro, sobretudo do
morador de comunidades carentes. A classe média nessas comunidades já
representa 65%. Em 2002, essa parcela era de apenas 37%. “Estamos
estudando há muito tempo a mudança das classes sociais no Brasil e a
consolidação da classe média, que se deu principalmente pela diminuição
da pobreza. Os pobres estão enriquecendo mais rápido do que os próprios
ricos”, argumenta Meirelles.
São diversos fatores que
colaboraram para a mudança de cenário desses locais antes tidos como
morada apenas de pobres. Meirelles aponta três como sendo os principais:
o aumento no número de empregos formais, o crescimento do mercado e do
empreendedorismo interno e o aumento da escolaridade média.
Em 10 anos, a porcentagem de pessoas que
moram em comunidades brasileiras com ensino médio subiu de 13% para
35%. Além disso, a média de tempo de estudo alcançou 6 anos, contra 4 há
10 anos. “Vale lembrar que cada ano de estudo pode representar 15% a
mais no salário de um profissional”, lembra Meirelles.
Em Heliópolis, maior comunidade do
Estado de São Paulo, muitos projetos atuam para complementar a formação
de seus moradores, sobretudo de jovens. Na União de Núcleos, Associações
e Sociedade de Moradores de Heliópolis (Unas), entidade beneficente
criada no início da década de 1980, são oferecidos cursos e oficinas de
orientação a jovens que englobam temas como cidadania, educação e
carreira.
Segundo o educador Reginaldo José
Gonçalves, de 36 anos, a região cresceu muito. “Tanto em infraestrutura,
saneamento básico, como na qualidade de vida, porque hoje muitos têm a
sua casinha, o seu carro. Hoje em dia também todo mundo aqui tem acesso à
internet.” O educador acredita, ainda, que o processo de
desenvolvimento trouxe de volta a sensação de dignidade dos moradores.
“Antes, muita gente tinha vergonha de falar que morava em favela. Numa
entrevista de emprego, por exemplo, o pessoal falava que morava em outro
bairro. Hoje mudou e qualquer um sabe que Heliópolis é um lugar que
desenvolveu.” O mesmo acontece nas comunidades cariocas de acordo com a
pesquisa Data Favela, que aponta que 85% dos jovens gostam do lugar onde
moram e 80% dizem ter orgulho de fazer parte de sua comunidade.
Em Heliópolis, estima-se que existam
cerca de 3 mil estabelecimentos comerciais, de acordo com a associação
local dos comerciantes. “Aqui tem restaurante, agência que vende
passagens aéreas, supermercado, padaria e, hoje, você não precisa sair
daqui para viver”, completa Gonçalves.
O
olhar empreendedor dentro das comunidades faz de certos moradores
verdadeiros agentes que ajudam a movimentar a economia direta e
indiretamente. Valdemar Freitas, de 46 anos, mora em Heliópolis desde
que a região paulista era quase um campo aberto. Conhecedor de cada
canto da comunidade, ele trabalha como panfleteiro. “Várias empresas de
fora e de dentro da favela me procuram para divulgar seus serviços. São
lojas de varejo, de roupas, óticas e até uma faculdade do lado de fora
de Heliópolis fechou comigo a entrega de panfletos”, conta Valdemar, que
também é conhecido na região como Carlos Freitas. “É o meu nome
artístico”, esclarece o também locutor de rádio que, aos domingos,
apresenta um programa musical na rádio comunitária Heliópolis.
Com o trabalho de entregador de
panfletos, ele cobra de R$ 35 a R$ 40 para distribuir cerca de mil
papéis. “E eles (as empresas) pedem para eu distribuir dentro de
Heliópolis, porque sabem que aqui o pessoal consome mesmo”, explica.
Freitas trabalha de segunda a sexta-feira, sai de casa às 8 horas e
encerra suas atividades às 13 horas. Dedica as tardes para angariar mais
“clientes”. Nessa rotina, fatura cerca de R$ 2 mil por mês, o que é
suficiente para pagar suas despesas básicas.
Não bastassem os serviços básicos que
abastecem as comunidades, muitas novidades já fazem parte da rotina
dessa nova parcela consumidora das periferias brasileiras. Inaugurado em
2010 no Rio de Janeiro, o Cine Favela, na comunidade Nova Brasília,
dentro do Complexo do Alemão, é uma das atrações preferidas dos
moradores da região que, antes, só contavam com as salas de cinema de um
shopping a 20 quilômetros de distância.
Em fevereiro deste ano, foi lançado um
projeto para a construção do primeiro shopping center em favelas do
Brasil. E mais uma vez o cenário escolhido foi o Complexo do Alemão, no
Rio de Janeiro. O empreendimento é uma iniciativa do ex-sócio da Central
Única das Favelas (Cufa), Celso Athayde, através do Favela Holding
Participações, em parceria com a rede mineira de shoppings populares
Uai. Serão cerca de R$ 20 milhões para a construção do espaço que terá
500 lojas, praça de alimentação, palco para shows e cinemas, mas a obra
ainda não tem data para ser iniciada.
Empreendimentos deste porte podem
atender a uma demanda de consumidores que ainda precisam sair de suas
comunidades para comprar. Na pesquisa Data Favela, as compras que exigem
pesquisa e planejamento, como as de eletrodomésticos, são realizadas
fora das comunidades por 60% dos interessados.
O educador Reginaldo Gonçalves, de
Heliópolis, costuma comprar roupas no chamado “asfalto”. “Eu compro
roupa e tênis fora do bairro. Cinema também não tem aqui, então temos de
ir ao shopping”. Boa parte do consumo, porém, ocorre dentro da
comunidade. São as chamadas compras de conveniência, como recargas de
celular, salão de beleza, produtos em mercado ou de higiene.
Ainda sem um shopping como terá o
Complexo do Alemão e para suprir outras necessidades, o paulistano Bruno
Soares, de 22 anos, usa seu salário dividindo 50% das dívidas de sua
casa (mora com sua mãe e um irmão) e compras pela internet. “Eu já
comprei vídeogame, jogos, tênis, roupas e até celular. Com o
desenvolvimento da favela, nenhuma encomenda deixou de chegar no meu
endereço”, garante.
Apesar de a rede virtual já ser uma
realidade para 45% das pessoas de comunidades brasileiras, no Rio de
Janeiro as compras pela internet ainda representam um tabu, segundo o
Data Favela. Apenas 16% dos internautas das comunidades cariocas
utilizam os sites de compras, sendo que 51% dos que têm receio alegam
ter medo de pagar e não receber.
O
acesso à internet dentro das comunidades virou uma realidade sobretudo
com a invasão de estabelecimentos que oferecem acesso virtual às pessoas
por preços baixos, mas com tempo limitado. Há 5 anos, ter uma lan house
foi um grande investimento para João da Silva Miranda, de 33 anos,
morador de Heliópolis. Ele, que chegou a faturar R$ 4 mil por mês no
início das atividades, viu seu negócio cair no esquecimento. “Como quase
todo mundo aqui tem internet em casa, consigo faturar uma média de R$
1,2 mil por mês. Já estou pensando em mudar meu negócio, talvez uma
lotérica”, planeja.
Agências bancárias já existem em todas
as comunidades do País, segundo conta o economista Claudio Gradilone
“Não é porque o sujeito é da favela que ele não tem direito a renda. Ele
também está consumindo mais e, logo, tendo mais acesso ao crédito”,
diz.
Apesar de um mercado tão aquecido e
promissor, Gradilone não acredita em especulações ou quebra da economia
dessas classes que vivem em favelas. “Aqui no Brasil os bancos são mais
cautelosos do que, por exemplo, na Europa e nos Estados Unidos”,
comenta.
Analista em cidadania e ordem urbana, o
sociólogo e professor da PUC-Rio Marcelo Burgos alerta que é preciso ter
cuidado ao incluir essa nova classe das comunidades como sendo parte da
tradicional classe média. “Não podemos esquecer que a classe média está
ligada historicamente a uma questão de ‘status’, o que inclui o
endereço da pessoa. De repente, da noite para o dia, o Brasil deixou de
ser um país pobre”, pondera.
A pesquisa Data Favela aponta que 70%
dos moradores continuariam a morar no mesmo local se aumentasse sua
renda. Para Burgos, esse sentimento de pertencimento não pode ser
atribuído somente à questão financeira ou mesmo de formação. “Eles criam
uma relação com o lugar onde moram também por conta das redes
familiares. Os pobres ou quase pobres dependem muito do lugar onde
moram, criando uma rede de sociabilidade”, diz ele, citando que em
alguns casos há parentes que moram na mesma comunidade.
A questão levantada na pesquisa é
subjetiva para Burgos, uma vez que na maior favela da América Latina, a
Rocinha, no Rio de Janeiro, existem pessoas que querem se mudar para
locais melhores, mesmo que dentro da própria comunidade. “Quando elas
(os moradores) ascendem socialmente, aspiram sair.”
"Através da fé podemos ter tudo"
Em Paraisópolis, a
segunda maior favela de São Paulo, é grande o comércio espalhado por
ruas e vielas. Em meio a lojas e restaurantes há também um templo da
Igreja Universal do Reino de Deus. Para o pastor Luis Fernando Henrique,
pessoas de fora da comunidade nem sempre entendem que no local existem
trabalhadores honestos e poucos enxergam o crescimento das classes
baixas. “Precisamos lembrar que, para Deus, todos somos iguais e que,
através da fé, podemos ter tudo.”
O pastor usa um trecho bíblico para
exemplificar: “O Senhor te porá por cabeça, e não por cauda; e só
estarás em cima, e não debaixo, se obedeceres aos mandamentos do Senhor
teu Deus, que hoje te ordeno, para os guardar e cumprir” (Deuteronômio
28:13). “Não importa sua história, sua formação, de onde você é. Pela
fé, as pessoas podem sair do nada e se tornar alguém bem-sucedido”,
explica o pastor.
O
trabalho da IURD Paraisópolis é contemplado, sobretudo, pelo grupo da
Força Jovem (FJU). Semanalmente, cerca de 200 pessoas da comunidade se
reúnem para promover projetos sociais, culturais e esportivos. O
coordenador da FJU da região, Paulo Sérgio Inácio, de 30 anos, conta que
muitos jovens prosperaram graças aos trabalhos de recuperação
realizados na IURD. Com uma história que passou pelo mundo das drogas,
Paulo fez votos a Deus e enquanto contava sobre sua salvação, não parou
de mexer em seus dois aparelhos de telefonia celular. Um deles, de
última geração. “Estou vendo as notícias do mundo, conectado às redes
sociais, atualizando as informações da nossa igreja e sintonizado. Aqui,
acreditamos que ser jovem é ser visionário”, resume.
A FJU-Paraisópolis promove ações que
atendem integralmente à formação de crianças e jovens da igreja, como
Leonardo Beirão, de 24 anos, que mudou sua vida quando procurou a IURD.
Leonardo gastava com drogas e bebidas o dinheiro que recebia como
catador de bolinhas de tênis. Depois de perder tudo, ele procurou a
Força Jovem. “Recuperei meu emprego. Faço o que amo, que é dar aulas
particulares de tênis e aprendi a administrar meu dinheiro. Antes eu
gastava sem equlíbrio.”
Responsável pelo grupo de evangelização
no Rio de Janeiro, o pastor Marcelo Moraes Dumont explica que o foco da
igreja é falar da salvação aos que sofrem e ajudar também em outras
áreas. “Os testemunhos mostram essa transformação em termos de cura,
salvação, libertação, restauração sentimental e prosperidade.”
O comerciante Jorge Roberto da Silva, de
47 anos, é um exemplo. Ex-morador da Rocinha, maior favela da América
Latina, e com um comércio amplo, ele passou por dificuldades antes de
chegar à IURD. Morava de aluguel, não tinha emprego e vivia fazendo
bicos. “Conquistamos nossa casa, temos vários imóveis alugados e carro.
Foi na Igreja que aprendi a colocar em prática a fé e a conquistar a
minha independência econômica.”
Colaborou Cristiane Alves
“Dinheiro não é Deus, mas sabendo usar ajuda muito”
Nos
alegramos quando vemos as pessoas das classes mais baixas crescendo,
sendo integradas em um nível melhor de vida. Temos acompanhado o
desenvolvimento do País e orado por isso.
A prosperidade não é o ponto principal
na Igreja Universal do Reino de Deus, mas trabalhamos forte,
incentivando as pessoas a prosperar, porque o nosso Deus é o dono de
tudo e há milhares de promessas pela vida econômica.
Claro que o principal é a prosperidade
da alma, mas enquanto estivermos aqui neste mundo precisamos ter
condições econômicas favoráveis. Às segundas-feiras realizamos uma
palestra no Cenáculo em Santo Amaro, na capital paulista, que trata
exatamente desse assunto, e milhares de pessoas têm alcançado sucesso na
vida profissional.
Nas comunidades carentes, nosso trabalho
em prol da prosperidade tem aproveitamento forte. Muita gente vivia com
a corda no pescoço, hoje tem acesso a coisas que não tinha e que nunca
imaginava ter.
Uma das coisas que mais escraviza o ser
humano é a visão pequena, achando que nasceu pobre, vai morrer pobre.
Quando muda a cabeça, muda de vida e nós trabalhamos para mudar a cabeça
das pessoas.
Ensinamos que o dinheiro é um ótimo
servo, mas um péssimo senhor. Nunca pode ser o primeiro na vida do ser
humano para ele não trocar os valores. Muita gente muda quando ganha
mais dinheiro, se afastando dos familiares e coisas desse tipo. O
dinheiro não é Deus, mas sabendo usar ajuda muito.
Na Igreja Universal o dinheiro é o
‘sangue da igreja’, uma ferramenta que usamos para o desenvolvimento da
obra de Deus e sempre deixamos bem claro que Ele não precisa de
dinheiro, mas a Sua obra, sim.
O melhor ensinamento sobre não valorizar
demasiadamente o dinheiro está na Bíblia. É o livro mais completo, que
ensina tudo que o ser humano precisa, inclusive a não se apegar ao
dinheiro, porque o amor a ele é a raiz de todos os males e não se deve
viver em função dele.
Bispo Jadson Santos
Atual responsável pelo trabalho evangelístico da IURD no Estado de São Paulo
Fonte: Folha Universal
Atual responsável pelo trabalho evangelístico da IURD no Estado de São Paulo
Fonte: Folha Universal
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