Aos cem anos, lúcida e com uma memória privilegiada, Maria Nazaré se considera feliz por ter vivido cercada de natureza e dos familiares. São 20 netos e 26 bisnetos. Todos ela ajudou a criar e educar
Nascida no dia 23 de agosto de 1915 em Capoeira dos Negros, localidade do município Bom Jesus, vizinho a Parnamirim, Maria Nazaré fundou e desenvolveu a comunidade quilombola onde vive há 70 anos, cujas terras teriam sido doadas ao pai do seu marido como retribuição aos muitos anos de fidelidade e dedicação, na condição de escravo, ao antigo dono da propriedade.
O local era só mato quando ela chegou para morar, em 1945, logo depois de se casar. Ao contrário de Capoeira dos Negros, situada numa área de transição entre o agreste e o semiárido, as novas terras, cortadas pelo rio Pitimbu, eram férteis, onde de quase tudo se plantava, de fruteiras a hortaliças. No entanto, com a morte precoce do marido, em 1960, Maria Nazaré se viu, aos 27 anos, diante de um cenário adverso.
Porém, nunca mais voltou a casar, optando por ficar sozinha e defender seu pedaço de chão em Capoeira dos Negros, o Sítio São Pedro, onde criou sua família, plantando e lavando roupa no rio para famílias abastadas de Parnamirim. Após crescidos, seus filhos, cinco ao todo, se casaram e construíram casas ao lado da dela. Aos cem anos, completamente lúcida e com uma memória privilegiada, a matriarca se considera feliz por ter vivido cercada de natureza e dos familiares. São 20 netos e 26 bisnetos, e todos ela ajudou a criar e educar.
“Fui parteira. Cortei 25 imbigo. Até barriga de dois (gêmeos) eu peguei”, gaba-se dona Nazaré, sentada em uma rede branca e azul armada na pequena sala de sua casa. Mesmo analfabeta, diz ter ensinado os filhos e netos a ler na cartilha do ABC. “Conheço as letras, mas nunca aprendi a soletrar”, conta ela, que por causa da idade e de um problema recente no pé, anda com certa dificuldade e tem sempre alguém da família lhe dando suporte em casa.
Maria Nazaré Marques de Moura é como se fosse um patrimônio imaterial de Parnamirim. Em seu aniversário de 100 anos, comemorado há duas semanas, o sítio ficou lotado. Familiares e muitos moradores do município, inclusive políticos, compareceram à festa, das 7h às 16h. Teve até apresentação da Banda Marcial Luiz Maranhão Filho, em que dois netos dela tocam. A Prefeitura de Parnamirim doou cinco bolos e a homenageou com uma placa, colocada num lugar especial junto às imagens religiosas na sala.
Maria Nazaré ganhou inúmeros presentes. Apesar de ser uma pessoa de costumes arraigados, da roça, que detestou ter conhecido a praia — “com aquela água salgada e aqueles homens e mulheres tudo nu” —, adorou ter ganhado um celular de última geração. Até whatsapp ela usa, por comando de voz.
Fora isso, a modernidade não lhe seduz. Diz que a companhia dos filhos, netos e bisnetos é a principal razão de sua vida e felicidade e acha que realizou nesses cem anos tudo que desejava. “O que eu mais queria era fazer a casinha das ovelhas, para as bichinhas não ficar na chuva. E eu fiz”, diz.
Fonte: Maria Nazaré: 100 anos de resistência
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